domingo, 10 de abril de 2011

Realengo

Até tentei me conter mas não deu. Quero comentar o jornalismo de ótima qualidade da Globo em cima da tragédia carioca. 

A tragédia é lamentável e a dor das famílias é algo aterrador.  Mas as conclusões que se tiram do fato são ridículas. Teve de tudo: articulista falando de violência pós-moderna, aquela que não teria causa. Será?; Apresentadora de Jornal Hoje perguntando se não havia detector de metais nas escolas brasileiras! Sim, porque as escolas brasileiras são muito bem financiadas, os salários são ótimos para os professores, as condições de serviços, maravilhosas. Mas não é só isso. O que ocorre é que as escolas, segundo o próprio comentarista convidado pelo Bom Dia Brasil, ex-membro do BOPE, cada vez mais se abrem para a comunidade. Elas não devem se cercar como condomínio de luxos, devem entrar em simbiose com a sociedade; outra delicadeza intelectual é Bonner tratando a tragédia como problema de segurança pública. Pergunta: isto é corriqueiro no Brasil? Antes de sair culpando a segurança pública é importante saber que o assassino não invadiu nada. Era ex-aluno e se identificou na entrada. Havia ainda pedido histórico antes do acontecido.

Mas não é tudo. O Fantástico deu realmente um show! Exibiu reportagem na qual simplesmente ignorou as menções a Jesus do assassino em sua última carta e focou na obsessão por Bin Laden. Por que será? Ignorou também uma susposta participação do assassino na Testemunha de Jeová? Por que será? De certo porque, como diz bem o grande intelectual da alcova Ali Khamel, não somos racistas e nem existe assassino movido por ideais sectarios, fundamentalistas de cunho cristão. Não há racismo no Brasil. Também não existem fundamentalistas cristãos. Muito menos a ponto de levar as últimas consequências os delírios solitários. O cara podia amar o Bin Laden e vibrar com homens bombas, mas também falou em Jesus. E é como se não houvesse possibilidade de haver ações violentas fundamentadas no cristianismo. Claro, as cruzadas foram um convite à fé cristã, educado naturalmente. É claro que não se trata de acusar vertentes cristãs, digamos, um pouco mais renitentes nos costumes, de incitar assassinatos de pequenos. Mas eu afirmo que há seitas de todas as religiões que oferecem ensinamentos pouco saudáveis que, na interpretação de um maluco, oferece o fundamento teórico e espiritual para se proceder a barbárie.

Quanto ao fascínio da Rede Globo pela obsessão de Wellington com Bin Laden e o islamismo é explicável porque, como nos ensina o solidário mundo ocidental, se tem assassinato com motivação religiosa só pode ser coisa de muçulmano! 

Vi o mundo trouxe entrevista com o especialista americano William Modzeleski em casos de chacinas promovidas por jovens e este diz: pouco importante é saber se o cara tem ou não doença mental. Os jovens matam, sejam mentalmente sãos ou não. A tese da globo é: diagnosticar o assassino como esquizofrênico e, literalmente, dizer que o bullyng sofrido nada teve a ver com o assassinato. Por que então ele resolveu matar na escola? Acaso? Diz o especialista americano que o mais importante é ouvir os sinais que essas pessoas dão: elas apresentam o desvio, publicizam isso. São as pessoas e instituições que não ouvidos. A própria reportagem global, através de depoimentos de colegas de Wellington, confirmaram as atrocidades às quais ele era submetido: era colocado na privada, puxavam a descarga, as meninas passavam a mão nele e depois o ridicularizavam. Então o assédio moral não teve importância Rede Globo? Resolveu ele mantar na escola e principalmente meninas por que Rede Globo? Porque o bullyng é irrelevante diante do quadro de esquizofrenia suposto? O próprio especialista responde: matam em escolas porque é lá geralmente que eles sofrem os traumas mais significantes, as violências perenemente fincadas no cérebro e na alma. Óbvio que podia ser doente, mas igualmente óbvio que ele deu sinais e ninguém ligou. Óbvio também que, a exemplo de Columbine, este rapaz sofreu crueldades e permitiram que assim acontecesse. A mesma Escola que hoje sofru a tragédia.

Digo isso porque acho um estupro intelectual a Rede Globo pendurar a tragédia no pescoço da má segurança pública ( mas a escola tinha até circuito interno de tv!!) e exclusivamente na doença. Trata-se ao meu ver de uma confluência de fatores: o rapaz devia ter perturbações graves que foram potencializadas e, principalmente, direcionadas por violências sofridas quando cursava aquela sétima série naquele colégio de Realengo. Ignorar esta segunda parte é eximir a sociedade de sua responsabilidade. Pior: é anistiar as crianças que maltratam colegas, pais que apoiam ou se omitem em relação ao comportamento dos filhos, a insensibilidade que recai em parte significativa da instituição Escola e de seus funcionários, a consideração pífia destinada pelo poder público a educação brasileira que, em sua grande parte, tem professores em situação de petição de miséria para poder se preocupar devidamente com os alunos, problemas socias gerais de relevância, homofobia, Bolsonaros, preconceituosos de todo o gênero, a sociedalde individualista, egocêntrica. Afinal, ninguém tem culpa. Segundo a Globo, digamos o seguinte: quem mandou esse Wellington ter problemas de saúde? Quem mandou ele ser vítima de bullyng? Já que assédio moral não significa nada, quem mandou a escola estar naquela localização geográfica bem na hora? Será que as escola brasileiras são seguras mesmo?, pergunta a Globo. Ou não seria esta sociedade egoista e cruel demais para compreender um ser humano com problemas que prefere um caminho perigoso?

Alguns me tacham de frio. Não é isso. Compadeço do sofrimento das famílias, mas a indiferença e a crueldade individualista matam muitos todos os dias. Creio que Wellington, ainda que seja uma aberração, um irregularidade na pacata curva brasileira, é um produto radicalizado da sociedade incrivelmente doente na qual vivemos.

Igor.