terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Som da Montanha

Kawabata, ao que me parece, é adepto dos sonhos. No romance que terminei de ler ontem, intitulado O Som da Montanha, os sonhos são sempre recorrentes. O personagem principal, Ogata Shingo, tem sua vida apresentada ao leitor como se você cenas de sua vida, em especial, sua velhice. E os sonhos estão sempre lá, ocorrendo surdos na noite, mediando e, não raro, dando subsídios aos nomes dos capítulos. Kawabata é um mestre da sutileza, das metáforas sensoriais inusitadas. O livro em questão não nos leva a um conhecimento exaustivo da vida do personagem, ao contrário, somos convidados a assistir certos recortes de sua vida já na terceira idade; isto me parece evidente até mesmo pelo desfecho da história.

Sofre o personagem de dores, esquecimentos, visão cansada e todo o tipo de incômodos trazidos pela decripitude física que o próprio Shingo faz questão de mencionar várias vezes no romance. Minha intenção não é fazer uma análise completa nem uma resenha da obra. Quero ressaltar apenas as minhas impressões e a admiração pelo estilo do autor. Penso que o tema principal seja, além da velhice e da morte, o amor puro, incondicional, que de tão imaculado nem é percebido. Acho que fica evidente este caráter quase imanente e, portanto, latente de um sentimento que a obra vai cozinhando do começo ao término, até culminar em um clímax que, de tão sutil, parece um anti-climax ou nem um nem outro parece.

Chama atenção também a forma como Kawabata desnuda a vida perfeita que a chamada vida civilizada põe como protótipo a se seguir por toda a família, de modo a automatizar um sentimento de que a família é inexorável, imune ao tempo e às tempestades, vivendo felizes para sempre. A família de Shingo é errática, sua esposa é feia, sua filha mais feia ainda. Seu filho teve o caráter distorcido pelo front de guerra enquanto sua nora, e a quem assiste Shingo, sofre impotente o afastamento do marido, este último alimentando uma relação extraconjulgal. Inclusive a feiura é tratada de modo cru quando Shingo reflete sobre a infelicidade da filha. Nada é bonito nem perfeito. A perfeição me parece  ser seguir com dignidade apesar dos percalços e do desencaixe com a moral vigente. Em último instância, não me parece uma crítica à moral, mas antes uma visão condecendente com a miséria humana, que tanto quer ser sem conseguir acontecer.

Por último, e eis a verdadeira genialidades, a beleza na tristeza, tal qual o autor já nominava outra obra, que transparece em OsdM: a maravilhosa cena na qual Shingo observa o gigantesco girassol, depois este caído em função da tempestade, a experiência de vislumbrar no rosto de Kikuko uma máscara de Nô ganhar vida, fazendo-o observar cada traço do movimento, os sucessivos sonhos com mulheres mais novas, a impotência diante do tempo que passa fulminando a tudo e a todos, a ternura guardada só para si que transparece em laivos. Mostra, enfim, a naturalidade da natureza humana, que apesar da aparência de indelevel sustentada aos trancos, guarda em si os mais incompreensíveis e estarrecedores sentimentos e instintos.

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