domingo, 30 de outubro de 2011

Assunto: concerto da OSESP, da OSP (Sinfônica do Paraná) e Lula


No começo do mês estive em São Paulo para prestigiar a oitava sinfonia de Mahler. É mais do que um concerto. É o evento! A Oitava de Mahler é possivelmente uma das mais grandiosas peças sinfônicas, mais ousada e mais cara do repertório orquestral. É uma massa orquestral imensa, metais que tocam fora do palco, um coro misto enorme, coro infantil e oito solistas, salvo engano meu. A minha expectativa era grande visto que OSESP jamais me decepcionou. Vi com esta orquestra uma Elektra, um Cavaleiro da Rosa, uma Nona de Beethoven, uma Canção da Terra na versão de Schoenberg, a Terceira, a Quinta e a Nona de Mahler, uma Vida de Herói do Strauss, entre mais alguma coisa, e transcorreu tudo no mais absoluto e elevado nível. Coincidência ou não, exceto as sinfonias de Mahler, todo o restante foi durante a regência do Neschling. Mas a Oitava deixou a desejar. A orquestra estava magnífica e o coro também. O problema, ao meu ver crucial, foi a solução usadas para os solistas. Quem conhece a Sala SP sabe que ela não tem um palco muito grande. O coro ocupou o seu lugar de costume e a orquestra cobriu inteiramente o palco. E os solistas? Estes ficaram atrás da orquestra e na frente do coro. Pergunta: como ouvi-los? Sim sim... Microfones! Ao comentar do esdrúxulo procedimento com um professor da faculdade que muito adora esta arte ouço o seguinte “Mas daí estragaram tudo!”. E de fato. 

A Sala SP não é grande. Penso que em primeiro lugar poderiam ter tirado alguns componentes da orquestra, assim como enxugado o enorme coro. Foi frequente a sensação de confusão sonora que, acredito eu, foi decorrente do excesso de músicos. Sabemos que a Oitava de Mahler é mesmo excessiva, mas daí quando esta superlatividade compromete a própria inteligibilidade sonora penso que a coisa possa ser diminuída. Talvez, não sei bem, o som do coro tenha sido captado pelos microfones e ampliado a sensação de confusão na sala. Mas se fosse só isso, a noite teria sido proveitosa! O que ocorre é que com solistas microfonados não há arte lírica que preste! Toda a noção de técnica, de projeção, de squillo vocal torna-se secundário. Ouve-se o canto lírico justamente porque é uma arte sem intermediários, sem microfones, sem mesas e caixas de som. E nesta noite nem se ouvir alguma coisa se ouviu! Eu me sentei na segunda fileira, justamente com a perspectiva de ficar perto dos solistas. Dali não se ouviu absolutamente nada. Nenhum solista. A intervenção do barítono, na última cena do Fausto, foi um anti clímax absurdo posto que passou em branco. Não consegui ouvir nenhum dos cantores sequer minimamente para dizer se foram bem ou não. Esforço, nesta toada, mais intenso fiz com relação ao tenor da apresentação. Eu sou um entusiasta da voz do tenor e queria ver alguém fazendo o Doctor Marianus ao vivo. Notório que se trata de uma parte difícil, com muitos agudos, demandando uma técnica sólida. O resultado , todavia, foi pífio. Além de ter de fazer esforço para ouvir, pois as caixas de som estavam com um volume mal regulado, o que vi (e ouvi) por parte do tenor foi de uma mediocridade ímpar. Tive a sensação de que oitavou alguns dos agudos mais apoteóticos para baixo! E que uma hora usou falsete! Claro que o microfone pode ter me enganado, mas tenho quase que certeza que o tenor fugiu dos agudos de uma forma ou de outra. Não tem escapatória, principalmente neste “papel” há de se dar os agudos, senão a coisa fica deveras prejudicada. Que me sobrou? Prestar atenção na orquestra e no coro, que foram o alento da noite.

De tudo isso, desta solução ridícula usada para os cantores principalmente, posso dizer que pela primeira vez uma apresentação da OSESP me desapontou. Sabemos que Mahler é um exagero, um mundo! Mas em nome da musicabilidade e razoabilidade, poderiam ter diminuído um pouco o efetivo e colocados os solistas na frente. O som sairia menos embolado. Os cantores seriam ouvidos melhor. Já vi apresentações em lugares enormes com um colosso orquestral. Por que então, em um espaço mais diminuto, não diminuir as proporções? Trata-se inclusive de um respeito com o cantor. Alfredo Kraus já dizia, em interessantíssimo livro sobre a arte do canto de Artur Reverter, que o crescimento desmesurado das massas orquestrais, no mais das vezes, prejudicou a função do cantor, obrigando-o a cantar sempre forte para suplantar a barreira musical profunda de um efetivo superlativo que, muitas vezes, não executam um  bom controle de dinâmica,  resultando em execuções nas quais nem sempre se ouve os solistas a contento, mesmo que emitam a todo o vapor. Teatros cada vez maiores, cenários no fundo do palco teatral. Em suma, uma espécie de complô contra a técnica e arte vocal. Resultado? Empobrecimento da técnica, do resultado e, frequentemente, inaudibilidade! Pois foi o que ocorreu nesta apresentação da OSESP.

Ainda quero ressaltar o declínio dos programas de concerto! Nos tempos do Neschling, e em que pese sua aparente difícil personalidade devo dizer que o admiro como regente e diretor artístico, o programa custava dez reais e era um verdadeiro livro. Nada mais acrescentar. Tinha até uma aba na contracapa para destacar e, quem sabe, usar como marca página. Depois da saída do impetuoso maestro, tivemos o insípido maestro francês e agora maestrina Marin Alsop, de quem não posso opinar. Posso dizer que o programa, de livro, foi ficando um livro fino, que por sua vez virou uma revista, mas ainda conservando a lombada de livro até que, nesta mesmíssima apresentação da Oitava de Mahler, deparei-me, pelos mesmos módicos dez reais, com um programa de concerto em forma de revista, inclusive usando grampos. Eu acho que alguma conclusão dá para tirar da derrocada qualitativa dos programas, que parecem denotar um desapego cabal pela capricho; assim como da solução usada para a orquestra e para os cantores na Oitava de Mahler: estragaram uma belíssima sinfonia de notória raridade em termos de execução. O maestro da ocasião, Rozhdestvensky, é de uma competência inquestionável, ainda mais do alto de sua idade e experiência. Parece-me, no entanto, difícil de acreditar que a ideia dos solistas tenha saído da cabeça do maestro. De qualquer forma, não dá para saber de quem é a responsabilidade de uma ideia tão esdrúxula quanto a que foi utilizada. O certo é que se houvesse alguém que realmente se preocupa com a arte naquele lugar e que tivesse condições de influenciar os resultados, dificilmente teríamos o fim que tivemos, tanto em relação ao concerto quanto a simplificação do programa. Pessoalmente e indubitavelmente, só vi retrocesso.

De outro lado, na semana passada, vi um concerto da querida Orquestra Sinfônica do Paraná que, ao que parece, ressuscitou das cinzas. No governo Requião ela vinha sofrendo um desmonte raivoso chegando a parecer extinta em muitos momentos. Com o governo Richa , há suspeitas de boas mudanças. Sabe você leitor, não gosto do PSDB, nem tucanos. Este governador para mim é um engodo. Ainda mais quando este fez parecer, quando da assinatura da lei da Defensoria Pública, “não estar fundamentalmente atendendo o pedido (pressão) de ninguém e sim cumprindo uma promessa de campanha”, buscando ressaltar que ninguém tinha o impelido àquilo, ou seja, que o movimento "Defensoria Já" nada tinha a ver com a assinatura. Podia até ser promessa de campanha, mas nada mais elegante do que reconhecer o belíssimo movimento em prol da defensoria encabeçado pela grande professora de direito penal da faculdade  de direito da UFPR Priscilla Sá. Enfim... pelo menos surgiu neste ano uma programação anual, coisa que jamais vi, pelo menos desde 2004, na OSP. O regente titular mudou: agora trata-se do português Osvaldo Ferreira de quem nunca ouvi nada e , logo, não posso opinar. Todavia posso opinar do concerto que vi da OSP, nestes últimos dias. E veja só leitor, que legal! Com a regência de John Neschling.

Do concerto, posso dizer que foi vibrante. Não sei até que ponto o Neschling animou a orquestra, mas fato é que fazia muito tempo que não via a querida OSP deflagrar um som tão bonito e enérgico. O programa foi a Abertura Concertante , do Guarnieri, o Primeiro Concerto para Piano do Liszt e a Segunda Sinfonia de Brahms. Todas as obras foram executadas de forma incontestável. O solista da noite, inclusive, foi irrepreensível. Se esbarrou nas notas, foi imperceptível. Um fraseado inteligível e, algo que aprecio muito, uma bela presença de palco. Aliás, presença de palco é o que tem o grande maestro Neschling. Só lamento que, parece-me, ele tenha envelhecido muito desde a última vez que o vi, em 2007. É sabido que ele ficou seriamente doente neste ínterim mas também, e isso sou eu que acho, o fato de ele ter sido perseguido, ejetado e despojado daquilo que, talvez, tenha sido a obra de sua vida; o fato disto ter ocorrido da forma mais truculenta e ridícula possível, produto de uma das mais belas e impávidas figuras guardiãs da cultura nacional da política do Brasil, José Serra, deve tê-lo desgastado até a medula. Apesar disso, lá estava Neschling, sem batuta (aliás este utensílio sempre me soou inútil e tolhedor de movimentos) regendo de forma ímpar, com o seu “jeitão” (quem viu, sabe como é).

Claro que não posso me furtar de dar destaque para a plateia curitibana. Quem me conhece sabe que sou cáustico com a elite cultural dessa cidade: querem ser Viena sendo que lá fora continuarão sendo não menos latinos do que de fato são. A elite cultural desse lugar nunca me animou. Talvez no teatro a coisa seja um pouco melhor. E em termos de música antiga/barroca também, afinal temos a camerata que goza, ao que parece, de sólido prestígio (eu não sei porque não sou lá muito fã do repertório). Mas em termos de música sinfônica e óperas, a coisa tem sido bem medíocre. Em termos de ópera, não é nem medíocre: inexiste. Isto porque há uma montagem na vida e outra na morte. E quando há, são montagens com cantores dos quais nada se ouve, em parte pela orquestra mal regida e, do outro lado, por causa dos cantores  de técnica claudicante. Lembro de uma Boheme com um bom Rodolfo que, no entanto, foi fulminado por um cenário risível, que colocava os cantores praticamente no fundo do palco. Claro que, para amenizar, estavam lá os famigerados microfones. Sabemos que a acústica do Guairão é, mínimo, enigmática... Também vi um Rigoletto que não me impressionou nada, ao contrário, só me molestou. Lembro o que o personagem título era um barítono de voz vigorosa e boa presença de palco mas o Duca foi lamentável. O La Donna è Mobile foi terrível, sem o famoso floreio final. Si agudo no final, só nos sonhos. Melhor era ir para casa e botar o Kraus para cantar. Recordo-me ter lido na época que era Neyde Thomas quem dominava o cenário em termos de botar seus pupilos para cantar no Guaíra. Posso dizer que ela foi uma grande cantora, mas de resto... Melhor nem comentar.

A verdade é que, em Curitiba, a coisa é sofrível. E torna-se pior ainda porque se trata de uma gente que se acha melhor do que os outros, sem entender bulhufas do que vê e ouve. Pagam horrores para ver um tenor como Jose Carreras, que hoje, infelizmente, não possui sequer um vestígio do que um dia o tornou notável, e acham que fizeram um ótimo negócio, de qualidade artística ímpar, suprema consagração lírica. Enfim... no concerto da OSP regida pelo Neschling houve a seguinte cena: maestro parando o concerto para piano do Liszt no meio, no MEIO, para dar uma dura em alguém da plateia que, talvez por ser concerto gratuito, achou uma ótima ideia levar uma criança de, sei lá, uns 3 anos, para assistir um programa de duas horas de duração! Lamentável... bom senso passa longe. De resto, a mesma velha pataquada de sempre: aplausos para cada movimento da sinfonia do Brahms! Sou da opinião que a pessoa deve aplaudir quando der vontade, apesar de quebrar a unidade da obra (e quebra mesmo...). Quer dizer: se aplaudirem, paciência. Mas de todo o modo, não combina com a tal da capital de primeiro mundo os tais aplausos na hora errada....

Esquecendo esta minha antipatia por esta elite cultural mequetrefe e pela falta de bom senso das pessoas, devo dizer que o Concerto me deixou muito feliz. Parece que a OSP finalmente vai ressurgir com boas perspectivas para o futuro. De tudo isto, no mais puro estilo Pig's Tale: méritos para a OSP e deméritos para a OSESP.

Em tempo: desejo melhoras para o presente Lula! Que se recupere logo. Agora eu acho interessantíssima as manifestações de ódio em relação ao ex-presidente. Até o Dilmenstein (assim que se escreve?) se pronunciou contrariamente a esta orgia do mal gosto de parte dos brasileiros. Dizem para o Lula usar o SUS: parece-me que quem usa este argumento não vota nele e sim no grandioso José Serra, este gênio brasileiro. Mas o que este gênio brasileiro e seu ridículo escudeiro FHC fizeram pelos pobres do país, que são os que usam o SUS, durante este tempo todo? Muito pouca coisa. O Presidente Lula teve sim falas infelizes, mas ele chegou e fez. E nos lugares de sobriedade cultural real como Paris e Coimbra (escutou Curitiba?) ele é reconhecido por seu colosso de obra social. Agora que, vitimado por um câncer, convalesce desta maldita doença, os opositores mal educados tratam de tripudiar em cima de sua dor. Pois estes que escrevem no UOL para que ele use o SUS, provavelmente não usam o tal do SUS, muito pelo contrário. Escrevem para ele usar o SUS se apegando numa das falas infelizes deste presidente mítico na tentativa de combatê-lo não como um adversário honrado faria, mas como um adversário covarde e desleal, aproveitando-se do infortúnio que é ser vitimado de câncer. Escrevem para ele usar o SUS não porque se revoltam com a calamidade que ainda é o sistema de saúde público brasileiro e porque se preocupam com o brasileiro ferrado de cada esquina; fazem isso para ridicularizar um sindicalista, pobre e nordestino, que foi melhor que todos na presidência e é reconhecido internacionalmente por isso; porque não escodem a dor de cotovelo ao perceber que a posição da elite não é, na grande maiorias dos casos, por merecimento e sim por mera eventualidade; porque com a ascensão do torneiro mecânico que mudou o Brasil, perceberam que a mediocridade na qual vivem nem de longe faz merecer a posição social de prestígio que ostentam desde sempre neste Brasil banhado em sangue negro e indígena (como diria um certo Darcy); fazem isso porque Lula fez o brasileiro acreditar e a falta de esperança é o motor que alimenta a fogueira desta ridícula e prepotente elite brasileira. Afinal, o que esperar dessa gente senão a costumeira truculência com a qual se expressam desde priscas eras? Não é mesmo?

Igor Augusto

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