terça-feira, 22 de maio de 2012

Quando as estrelas se curvam

Não é fácil ser si mesmo. Como as ondas que teimam em se destruir e se reconstruir. Não é fácil ser grande pela simplicidade, ser digno pela economia, ser alto pela humildade. Pois para se fazer dignas essas terras, há que se resolver o enigma da antítese.

O tempo é uma luta insofismável. Os minutos correm, os segundos atropelam. Com o tempo ocorre algo terrível: sua percepção se modifica diante do fim iminente, que não avisa, não se deixa prever. As placas dessa rodovia estão ausentes e a próxima curva, a derradeira, chega rápido demais sem a sinalização.

O destino nós não sabemos. Os mistérios podemos dizer que não serão revelados agora. A pedra continua fechando a fresta. O ratinho continuará rato. Foi a beleza da poesia cibernética que fez encontrar dois hemisférios. E das improbabilidades fez-se uma vida repleta. O desenlace permanece um mistério.

Disse o futuro imperador: o que é feito de bom pelo homem é enterrado com seus ossos. Mas disse o poeta aviador que não ficamos sós, que as pessoas não se vão sós. Levam da gente, deixam com a gente. E a perfeita transformação me atingiu como um raio numa ensolarada tarde de sábado. E ficou.

Desde então, o litoral passou a significar mais do que mar. O som das ondas deixou de ser ruído, tornou-se música. Uma rodovia deixou de ser concreto; tornou-se esperança; uma rodoviária deixou de ser estrutura, tornou-se casa; uma casa deixou de ser tijolos; tornou-se lar; um quarto deixou de ser esconderijo; tornou-se um mundo. O mundo deixou de ser caos, tornou-se cosmos; e eu e você deixamos de ser eu e você, tornamo-nos nós.

O verbo é mais que palavra. É ação. E o mundo agiu. De todas as maneiras. Fe-nos união. E a partir daquele dia não fomos mais o mesmos. A metamorfose completa. Ambulante. Que queria ser, e foi. A rede proporcionou os contatos. E os anos se passaram. Distantes por alguns quilômetros; próximos porém, pois dentro do mesmo coração.

Lembro daquela tarde fria de julho. Sentados na calçada de casa, tentando desenformar um prato de gesso, que depois seria pintado em alegres cores, quentes demais para o ambiente. Lembro de quando aprendemos que pontos turísticos com portas não funcionam às segundas. Lembro de tomarmos chuva na frente de um museu que nunca conhecemos e depois sair andando a esmo em busca de comida. Experiências aparentemente banais, soma de partes mais que desengonçadas, mas que valem mais que todo o dinheiro do mundo. E isso porque constituem um tesouro, mais precioso do que tudo nessa vida: as lembranças.

As viagens foram constantes. Nem tudo eram rosas. As despedidas eram difíceis. As lágrimas escorriam, o coração se dividia. O mesmo ônibus que afaga é aquele que apedreja. Mas mais afaga. E surgiu a ideia. Ficar próximos. E de você veio o passo derradeiro; vencer a distância; vencer o concurso; crescer e aparecer. Eis que transformamos um mero apartamento em ninho, uma cidade em casa, o futuro em presente. Igor: o amor da minha vida. Carol: a razão do meu viver.

E nessa caminhada diferente e especial que papel fez a arte! Em especial a musical e a cinematrográfica. E nos encantamos um pelo outro através das imagens que se movem. Vimos um projetista poeta que fez um filme com beijos censurados, uma palhacinha triste e o remorso de um artista a chorar na praia, a perplexidade de um homem da floresta na cidade, o esporte que uniu uma nação separada pela cor, os sonhos de um diretor brilhante, o testemunho de alguém tomado por um espírito num julgamento, um advogado doido por ópera vítima de preconceito, alunos negros se afirmando pelo desafio do conhecimento, cenas do descontrole moderno musicadas por um gênio minimalista, um gato robô azul sem orelhas, um simpático professor idoso e seu medo da morte, as chagas da guerra em uma senhora idosa que carregava um pequeno guarda-chuva, os horrores dos conflitos na áfrica, jackie chan lutar bêbado, um pé esquerdo fantástico, um bruxinho e sua turma, um homem que queria agradecer pela cura de seu burrinho, uma linda menina num concurso de beleza bizarro, a história de amor de dois cowboys, um quarto de hotel letal, um grego apaixonante e apaixonado pela vida, uma princesa e seus ratinhos, uma menina que encontrou duas bruxas, um garoto dragão e um tal sem face, uma valquíria que gostava de presunto, um boxeador decadente que dançou ao som de um intermezzo, simpáticos dinossaurinhos em busca de um vale, dois jovens apaixonados ligados por uma corda vermelha, o conflito de um artista de filme mudo com o som, um menininho a viajar no verão com uma mochilinha de asinhas, um casal que tentou se esquecer e não conseguiu...

Na arte sonora, não foi menos diferente. A nossa trilha sonora foi do heavy metal melódico até pop norueguês, da mpb até o j-rock, de Piaf até Callas. Eu poderia sinceramente dizer que nós poderíamos construir uma casa no pé da montanha, que poderíamos ficar lá e nunca mais voltar, que poderíamos ficar lá e ver como tudo termina...

Tenho muito mais lembranças que não posso descrever por conta do espaço; estarão guardadas dentro do meu coração. Talvez a mais viva e importante lembrança seja disparada pelo cheiro de um certo perfume. Era só sentirmos o cheiro para lembrarmos automaticamente da sensação de como era viver no tempo daqueles primeiros encontros. Coisa verdadeiramente espantosa!

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Começar uma obra é difícil. O começo de algo é sempre problemático. É o velho problema do regresso ao infinito. Disse bastante coisa e o que talvez fosse melhor estar no começo coloco aqui: isto aqui é para você meu amor, tento derramar meu coração nestas palavras, coração este que, naturalmente, derramei por você. Mas palavras sempre dizem pouco. Aquele que diz saber descrever o Tao com palavras mente. Pois eu conheci o Tao com você. O indizível, o imperscrutável. A sensação indelével de ser um com o todo. O objetivo último do tantra, unir-se da forma mais visceral possível. Você representou para mim a chave para o Ser do Parmênides, as idéias de Platão/Sócrates, a Phisis do Aristóteles, a comunicação do Habermas, o uno do Plotino, a Roma de Darcy Ribeiro, a Montanha do Thomas Mann, o Musashi do Yoshikawa, o enorme girassol do Kawabata, os símbolos do Jung, o sol e aço do Mishima, os chineses da Xinran, o Multivac do Asimov. Você foi o meu Diadorim e a minha Julieta. O meu Jack Twist e minha Fermina Daza. Ter você ao meu lado foi ser Miguilim ao botar os óculos.

E, sobretudo, você foi o meu amor e sempre será. Você levou parte de mim e deixou parte de você comigo. Você vive aqui no meu coração.  E se o nosso amor foi especial, devastará ele também todas as barreiras. Esse amor foi tal que se feita aquela pergunta desafiadora "até quando ficar neste ir e vir do caralho?" a resposta eu a tenho desde aquele 1º de outubro: por toda a vida. Você me ensinou a viver e eu vivi. Nosso amor foi lindo e trágico como uma ópera de Puccini; mas mais que isso: foi nobre como a missa de Bach. Quando você se foi, as estrelas se curvaram porque elas assim procedem quando chega um anjo. E você foi o meu anjo. O meu firishta. Você me protegeu com a capa mágica. Apesar do mundo não ter tido o privilégio de ter mais tempo com você, eu quero te dizer que eu, mais do que te conhecer, te reconheci. Eu fico despedaçado com sua partida, mas eternamente grato aos céus por terem me dado a oportunidade de conhecer uma pessoa tão fantástica; de simplesmente ter conhecido você.

Quis a vida nos separar. Mas só o esquecimento separa. E nós não vamos nos esquecer um do outro. Construímos algo incrível aqui e o universo sentirá os reflexos disso. Criamos um lugar especial e quando o tempo parar nós nos reencontraremos. Minha vida vai continuar, conforme eu sei que você deseja. Mas nem você poderá me impedir, no íntimo, de sonhar com o dia em que daremos a mãos de novo. Quero que você saiba que, dentro do meu coração, nós subimos o altar, trocamos alianças e nos sagramos marido e mulher, exatamente como naquela figura que você desenhou; que eu te amei como se há de amar a mais maravilhosa das criaturas e que eu fui feliz; que espero ter feito você feliz; que você tenha perdoado minhas fraquezas e, mais importante, que você saiba que nós tivemos uma casa no pé da montanha...

Eu queria, na verdade, fazer a mais bela homenagem, a mais bela declaração de amor ou até a mais bela canção de amor jamais vista, como queria um certo compositor... mas temo não conseguir tal feito. Acho que nada mais honesto mesmo, e é o que me resta, é fazer, com essa minha cara mesmo, uma coisa que fiz menos do que deveria: dizer que te amo. Eu te amo, sempre te amei e sempre vou amar. Desde aquele 1º de outubro, e agora mais do que nunca, minhas mãos agem em sua homenagem e assim continuarão. Tenho que fazer justiça ao fato de você ter me escolhido como seu amor. 

Vivemos algo grandioso Carol, fomos grandes nessa terra, mesmo que condenados a sermos formigas dentro do pálido ponto azul. Você foi numinosa. Você foi uma experiência numinosa para mim! A você, destino o mais profundo e sincero "Bravo!", na verdade... "Bravíssima" !!!

Carobinha, meu amor, a gente não se contentou com o normal, com o comum; o que fizemos foi poesia, fizemos uma obra de arte!  Uma obra a ser legada para os que conseguem, de fato, entender o que é simplesmente... amar.

Meu carinho,
Meu amor,
Rish rish,
Aaaaaum,
Caroba linda,
Mumu maravilhosa,
Mumu do meu coração,

Eternamente seu,

Igor


7 comentários:

  1. Nossa Igor, essa foi a declaração de amor mais linda que eu já vi!!! Eu nem convivi com vcs, mas suas palavras foram tão lindas e verdadeiras que eu estou chorando até agora enquanto escrevo... Perder um grande amor deve ser a coisa mais dolorida do mundo, por isso eu nem sei o que te dizer, mas vejo que vc está encarando tudo isso da forma mais graciosa possível, assim, o que eu espero é que vc consiga sentir a presença dela todos os dias, todos os momentos da sua vida. Minha eterna admiração por um ser que sabe reconhecer um amor...

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    1. Oi Kricia! Desculpe a demora em responder... Obrigado pelas palavras. Elas são muito importantes nesse momento difícil... Ainda mais de pessoas que sabemos estarem sendo sinceras...Um grande abraço.

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  2. Força irmão! Como te disse segunda, força é só o que consigo te dizer com as palavras embargadas e compartilhando parte dessa dor que sente...Força para seguir em frente sua caminhada, que sem dúvidas é o que a Carol deseja, então Igor, fé e força... E estamos aqui torcendo por você e a disposição para o que precisar!
    Grande Abraço
    André e Jú.

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  3. Não tem como não ir às lágrimas diante de uma declaração, um testemunho tão lindo e tão verdadeiro. Aqui cabe um pequeno trecho do texto de Rubem Braga:
    "...Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito..." Força! Fique na paz de Deus, porque a Carol já está

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    1. Não sem atraso (muito), mas fica o agradecimento. Um abraço..

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  4. Eu não os conheço!
    Não imagino a dor que você possa estar sentindo.
    Mas, neste momento, enquanto sinto o ínfimo de sua dor, escuto Piaf e só me vem este trecho em mente:
    "Dieu réunit ceux qui s'aiment."

    "Vous aurez pour vous l'éternité."

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    1. É uma bela canção... E eu admiro alguém que para para sentir algo de quem nem se conhece... Fica o meu agradecimento e um grande abraço...

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